Itamar Marcondes Farah

Mais cenas do cotidiano

Grupinho I / 1997

 

Cena : No refeitório Rodrigo agitado, chora e grita.Toninho e Augusto perguntam:

-  Ele é louco, tia?

Ricardo e dudu respondem: - “ Ele é “seficiente”!

- Ele tem uma deficiência, mas o que parece, é que ele não está gostando muito de ficar aqui, o jeito dele reclamar é assim ....(eu digo)

Toninho pede : - Manda ele parar de gritar, tia.. com as mãos no ouvido.

Augusto faz sinal com os ombros , as mãos ( de louco) e diz :- Deixa ele, tia...

- Realmente está muito ruim o Rodrigo gritar assim...Também está me incomodando, mas preciso tentar ajudá-lo a se sentir melhor...

Augusto sugere : "- Vamos levar ele passear?"

- Boa idéia ! Vamos tentar...

No jardim , Rodrigo para de chorar.

 

Outra cena: Durante o grupinho terapêutico, aguardando as crianças terminarem de desenhar, vejo que Rodrigo continua  no king em pé, alheio fazendo um barulhinho parecido com “zzzzzzzzzzzzzz”. Me aproximo, faço um espelho de Rodrigo. Toninho me imita, sorrindo em silêncio se aproxima dele e resolve abraçá-lo. Rodrigo o empurra e volta ao king em pé ,com o  “zzzzzzzzzzz”. Toninho diz:

- Ele não quer...

- Parece que não... Por que você acha que ele não quer o seu abraço ?

- Porque ele é “ meficiente”...

-  Para o Rodrigo é muito difícil receber carinhos dos outros. Ele sofre com isso.

Algo mobiliza Toninho ,que resolve tentar de novo. Observo que Rodrigo sorri e também  o abraça.

- As vezes ele consegue.. (surpresa).

 

Durante a atividade Bruno permanecia atento ! Observador, se comunicava como conseguia, não verbalmente devido a dificuldade motora significativa, não podia desenhar. O aparente silêncio provocava algo em nós! Será que ele estava compreendendo?

No início tentei colocar papel e lápis mais grosso e percebi que a impossibilidade de manter uma preensão mínima tornava essa tarefa  praticamente impossível para ele. Outras vezes ele colocava o lápis na boca, explorando-o.

Tentava encontrar um caminho, me questionava - para que expor Bruno a esses  fracassos  sucessivos ?  Não seria melhor vê-lo como  é ? Ocasionalmente se expressava com sorrisos , movimentos corporais , era um ouvinte curioso, este era o jeito que conseguia ... Comecei a observar que  as ADIs e algumas crianças pareciam angustiadas frente a esse aparente  silêncio e começaram a “falar” por Bruno “- Tia, o Bruno acha isso, prefere tal cor...”ou mesmo fazer desenhos por ele  onde “A angustia se torna presente pela impotência e pelo real sinistro” (Alfredo Jerusalinsky /pág 35)

Desenhos apareciam ”magicamente” na mesinha de Bruno, assinados por ele.  Quando vejo Flávia  debruçada na cadeira dele , desenhando na folha dele, digo :

- Esta folha é do Bruno... (que parece atento ao que estou falando)

- Estou desenhando prá  ele...

- Você está fazendo um desenho prá ele?

- Não , é o dele - é a família...   Bruno segue com o olhar, parecendo querer ver o desenho - coloco em seu campo visual e digo :

- Olha Bruno,  Flávia acha que sua família é assim...

Olhando nos olhos de Flávia ,digo - Mas a família dele pode não ser assim ..Qual será o desenho que Bruno tem da família dele na cabeça dele ? (silêncio) Flávia parece tentar buscar uma resposta:

- Tá na cabeça dele o desenho... (ela diz)

- Sim, está na cabeça dele. Nós não sabemos como é, porque isso , só ele sabe... (silêncio - Neste momento as ADIs parecem atentas também)

- Por que você queria fazer ?

- Porque ele não tem...

- Você está preocupada com o que ele está sentindo?

- Ele quer um desenho... (Flávia diz)

- Você gostaria que o Bruno pudesse fazer um desenho... (silêncio). Flávia olha para Bruno...

- Ele não faz  no papel, mas faz na imaginação, dentro da cabeça dele... é o jeito que ele consegue...

- Silêncio ( Flávia, parece pensar)

- Que tal  você  fazer um desenho  de presente para ele ?

 Flávia pergunta:- Você quer um desenho de presente, “ Bruninho ” ?

Bruno mexe seu corpo e sorri, parecendo gostar da idéia.

Depois de algum tempo, as crianças não faziam mais desenhos por ele. Cada um fazia o seu. Quando sentiam vontade, se aproximavam e desenhavam ao lado de Bruno, mostrando suas produções, conversando com ele , que parecia muito receptivo...

Cena : No relaxamento, todos  deitados (inclusive as ADIs),  quando  anuncio - Agora, vamos todos fazer uma conchinha com a mão, para receber (por exemplo) a folhinha da árvore verdinha .Bruno se movimenta, vira para mim. Me curvo  em sua direção , que parece muito curioso em ver como é “a folhinha”, coloco em seu campo visual nomeando a cor .Bruno deixa cair da mão, eu não percebo.

No final, as crianças perguntam: Cadê a dele tia? Observo que se mobilizam para procurar , reviram o tapete, Laura encontra e diz : Bruno posso levar e  guardar na  sua mochila ? Bruno sorri...

Quanto a Max, haviam grandes conquistas. Já participava com apoio do mediador sendo que em alguns momentos,  conseguia realizar desenhos com o grupo. Todos ficamos felizes com seus sucessos! - "Legal Max, você consegue!" diziam as crianças.

Cena :No dia que estávamos trabalhando o tema meninas e meninos, qual a diferença? Max disperso pela sala, parecia mais interessado em explorar o aparelho de som e os fios, “ameaçando” jogar tudo no chão , rindo muito. Depois de várias tentativas em contê-lo , disse:

- Não estou achando nada engraçado! Algumas crianças  atentas, repetem a frase para Max! Agora é hora de desenhar com o grupo , eu digo.

Com a folha na mão, mostro a figura do menino ao mesmo tempo que comparava com ele. Outras crianças, tentam ajudar, mostrando seus desenhos... Max aponta para o seu pipi , rindo muito. Com a lápis de cera, rabisca em cima do menino...

Mariana que está perto diz: - Viu Itamar, ele entendeu!

- É verdade, Max consegue entender muitas coisas, por isso ,às vezes, precisamos ajudá-lo, para que possa cada vez entender mais!

Em determinados momentos, Max, parece querer a atenção toda para si, muito agitado  utiliza recursos   destrutivos, desorganizando toda a sala, inclusive rasgando  a produção dos colegas, gerando muita confusão no grupo. Quando a  situação complica, pois 15 crianças  na sala realmente fica difícil organizar,  o objetivo é diminuir o tumulto e tranquilizar o ambiente.

Max precisava ser contido e sair um pouco. Aos poucos, íamos verbalizando nossos sentimentos, os  colegas já conseguiam expressar seus limites pessoais demonstrando insatisfação  e Max percebia que não estava agradando.

Outra cena: Max pega o papel de Fernando, que dá um chute nele. Chamo os dois e conversamos sobre o que aconteceu e os sentimentos  de ambos.Fernando volta a atividade . Max pega sua folha e começa a desenhar, me mostrando  e “falando” parecendo indicar comparações entre seu desenho e o da figura ...

- Que bom que você está fazendo o desenho junto com o grupo Max !

No  final ,quando acabamos de trabalhar o tema deficientes ? Toninho aproveitando desenhos de várias crianças  tanto  com deficiência como normais , que estavam na lousa, desenhou  “pipis” em dois meninos;  da cadeira de rodas e normal . Comparando, chegou a uma conclusão:"- Olha tia,  tem pipi igual a eu !”