projeto textos FAZER O BEM COMPENSA? SIM. E a recompensa pode ir muito além do sorriso do garoto do lado... Por Claudia Vassalo - Revista Exame O
negócio da Microsoft é fazer programas para computador. Mas nos próximos
cinco anos a empresa deve doar 200 milhões de dólares para abastecer
bibliotecas públicas americanas com softwares educacionais. ·
Vender o maior número possível de batons e perfumes
é a essência da Avon, maior empresa mundial de cosméticos. Mas, ao redor do
mundo, milhões de revendedoras da marca ajudam a prevenir o câncer de mama ou
colaboram para que mulheres ingressem no mercado de trabalho. ·
Vender os produtos O Boticário, é sua maior meta, porém esta empresa nacional,
em 1990 criou a fundação O Boticário de Proteção a natureza(FBPN)
sem fins lucrativos , doando valores para administração e conservação de áreas
verdes, Mata Atlântica, Pantanal e outros, com proteção a vida silvestre, e
reconhecimento da Unesco. Até hoje foram aplicados U$$3,9 milhões em 655
projetos beneficiando 195 instituições e lógico, nosso país. ·
Os valores, e posturas da C&A, outra das empresas brasileiras mais
admiradas por sua atuação social.
O programa Capacitar atende a 100 entidades que reúnem 30.000 crianças e
adolescentes de São Paulo. Não está ligado a nenhum governo, mas sim a
admistração eficaz e voluntariado d e participação de todos os funcionários.O
dinheiro investido na formação desses educadores vem de uma empresa cujo foco
há mais de um século é vender roupas a famílias e - principalmente - para
jovens da classe média. ·
Laboratório Abbott sobrevive, em grande parte, graças
à venda de medicamentos usados no combate à Aids. Mas mantém um programa de
educação e prevenção da doença com adolescentes de escolas públicas
americanas. Seu investimento em programas de filantropia superam os 50 milhões
de dólares ao ano. Sejamos
honestos: ninguém
cria ou administra um negócio para fazer caridade. Não se encontra nenhuma
madre Teresa de Calcutá sentada à frente de uma grande corporação. Atrás
delas, há pessoas como Douglas Ivester, atual presidente mundial da Coca-Cola,
e Ray Kroc, fundador do McDonald's. Gente que acredita que se deve colocar uma
mangueira na boca do concorrente que está se afogando. Parece duro demais, não
é? Bem, é assim que funciona o mundo dos negócios. O objetivo principal de
uma empresa sempre foi e continuará sendo dar lucros cada vez maiores a todos
os interessados. Não há nada de errado nisso. Empresas de sucesso geram
riqueza, criam empregos e pagam impostos que são (ou deveriam ser) revertidos
para o bem-estar da sociedade. Mas será que, hoje, o mercado e a sociedade se
contentam com isso? Não.
É por isso que gente como Ivester, da Coca-Cola, investe cada vez mais em
cidadania empresarial. O mundo corporativo nunca esteve tão disposto a fazer o
bem quanto hoje. Os americanos, conhecidos por seu espírito filantrópico,
investem cerca de 150 bilhões de dólares por ano a instituições sem fins
lucrativos. (Há 600 000 delas espalhadas pelos Estados Unidos. Vão desde a
Cruz Vermelha até a Dogs Against Drugs, uma entidade que usa cachorros para
combater as drogas nas escolas.) Desse total, cerca de 11 bilhões saem das
corporações. Segundo a Business & Community Services, empresa de
consultoria em filantropia corporativa sediada em Palo Alto, na Califórnia, as
companhias americanas investem, em média, 1% de seus lucros brutos em ações
sociais. Colocam dinheiro em causas que - à primeira vista - nada têm a ver
com seus negócios e que não vão agregar um centavo sequer aos dividendos de
seus acionistas e aos bônus de seus executivos. Fazer
o bem compensa? "Compensa.
E muito", disse a EXAME a americana Dori Ives, presidente da Business &
Community Services (dori@bizgive.com). "Participar da comunidade vai ser
fundamental para as empresas que quiserem fazer a diferença daqui para a
frente." A Business & Community Services é responsável pela elaboração
de programas sociais para empresas como a Netscape, a Visa e a Johnson &
Johnson. Seus acionistas até querem um lugar no reino dos céus. Mas querem
também a preferência do consumidor, o respeito dos clientes e a admiração de
seus funcionários. IMAGEM
- Hoje, qualidade, serviços, preços de padrão mundial e marketing inteligente
deixaram de ser diferenciais. Ou você tem ou está morto. É preciso possuir
tudo isso e ainda fazer com que as pessoas gostem de sua empresa, se
identifiquem com sua marca, tenham satisfação, orgulho em trabalhar no seu negócio.
Talvez isso explique por que a ação social tenha se tornado uma febre nos
Estados Unidos nos últimos tempos. Em 1997, as empresas pagaram cerca de meio
bilhão de dólares apenas pelos direitos de patrocínio de campanhas que incluíram
desde ação de combate à Aids até o financiamento de unidades do corpo de
bombeiros. Estima-se que nos próximos três anos esse número dobre. "Você
não terá lucros decentes, a menos que seja socialmente responsável",
disse Lesa Ukman, presidente da IEG, empresa de marketing de Chicago, numa
recente entrevista à revista americana Time. Diante
desse cenário, fica evidente a seguinte constatação: não basta fazer o bem.
É preciso mostrar que ele é feito. A velha máxima que determinava o silêncio
na hora de fazer filantropia deixou de fazer sentido. Segui-la não traz
resultados completos. Pode
parecer heresia falar em fazer o bem e, ao mesmo tempo, esperar por resultados
no mundo dos negócios. Não é. Essa pode ser uma típica relação
ganha-ganha. Em tempos em que governos diminuem de tamanho, as empresas podem
desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento da sociedade. A filantropia
corporativa ainda é algo incipiente no Brasil. Sua empresa pode doar um cheque
a um orfanato no Natal ou fazer uma doação a um asilo de velhos. Mas ela tem
uma estratégia, uma causa que mereça seus recursos e o envolvimento de seus
funcionários? As 40 empresas e institutos ligados à Gife, associação que reúne
corporações engajadas socialmente, investem apenas 300 milhões de dólares ao
ano em programas sociais. Dados da consultoria Kanitz & Associados, de São
Paulo, mostram que as 500 maiores empresas do país gastam 2,8 bilhões de dólares
com segurança patrimonial e de seus executivos por ano. "Ou essa balança
muda ou as empresas terão de investir muito mais em segurança daqui para a
frente", diz Stephen Kanitz, sócio da consultoria. A
20a maior fundação brasileira possui um patrimônio de 100 000 dólares. Sua
correlata americana tem um patrimônio 10 000 vezes maior. A Fundação
Bradesco, maior entidade filantrópica ligada a uma corporação do país, conta
atualmente com um patrimônio de 700 milhões de dólares. Suas 36 escolas
abrigam 97 000 alunos de primeiro e segundo graus. Este ano, a fundação vai
investir 84 milhões de dólares no projeto. "Há enormes oportunidades
para as empresas que tiverem uma postura de integração e participação na
comunidade", diz Luiz Carlos Merege, coordenador do Centro de Estudos do
Terceiro Setor da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo. "Os
consumidores estão cada vez mais seletivos. Entre uma empresa engajada e outra
voltada para si própria, eles vão ficar com a primeira." Você
pode estar se perguntando agora quantos batons a Avon vendeu a mais por ajudar a
prevenir o câncer de mama. Ou quanto as ações da Microsoft subiram nas bolsas
devido ao programa de doações de softwares para bibliotecas públicas.
Resposta: não é assim que as coisas funcionam. Filantropia não é promoção
de vendas. É uma questão de postura e de valores , ética da corporação. Você
acha que é possível uma empresa pregar o bem e tratar a pontapé seus funcionários?
"O bem tem de ter um propósito verdadeiro. Não fazemos filantropia para
vender mais camisetas", diz Antonio Carlos Martinelli, presidente do
Instituto C&A de Desenvolvimento Social. "Mas temos certeza de que a
imagem de nossa empresa sai fortalecida e com valor perante o nosso colaborador,
o consumidor e a sociedade." DISCURSO
- A C&A, rede de 61 lojas de roupas espalhadas pelo país, criou seu
instituto há sete anos com um objetivo estratégico: educar crianças e
adolescentes. "Tem tudo a ver com a prestação de serviços, que é o que
sabemos fazer melhor", diz Martinelli. Este ano, a empresa está investindo
4 milhões de dólares em programas de apoio a mais de 80 creches, escolas e
centros de educação continuada. São cerca de 50 000 crianças e adolescentes
atendidos. Calcula-se
que outro milhão de dólares seja aplicado em tempo que 800 de seus funcionários
dedicam como voluntários dessas instituições. Uma vez por semana, eles são
liberados para brincar com as crianças, ajudar na gestão e avaliar resultados.
E o que se ganha além de uma possível satisfação pessoal em ajudar a
sociedade? Há alguns meses, os executivos da C&A foram procurados por
representantes do governo de Florianópolis, em Santa Catarina. Eles propunham a
doação de um terreno para a instalação da primeira loja C&A na cidade.
Queriam por perto uma empresa que tivesse um trabalho social como o do
instituto. (A C&A só desenvolve atividades filantrópicas em cidades onde
suas lojas já estão instaladas.) A
empresa nunca fez propaganda ostensiva de suas ações filantrópicas. Mas, em
fevereiro deste ano, o presidente Fernando Henrique Cardoso citou o Instituto
C&A como um exemplo a ser seguido pelo mundo dos negócios. "Ninguém
estava pensando em coisas desse tipo quando se tomou a decisão de organizar o
instituto", diz Martinelli. "Elas acabam acontecendo
espontaneamente." A Copesul, fabricante de matérias-primas do Pólo
Petroquímico de Triunfo, no Rio Grande do Sul, investe cerca de 1,5 milhão de
dólares por ano em projetos sociais. Patrocina abrigos para menores de rua e
sua reintegração à escola e adota colégios públicos. Fazendo isso, a
Copesul não quer cativar novos consumidores. Crianças não compram seus
produtos químicos. Nem seus pais ou professores. A
empresa quer, sim, ser bem-vinda pela comunidade. Empresas químicas costumam
ser temidas pela possibilidade de desastres ambientais. "Temos que mostrar
à comunidade que somos uma companhia idônea", diz Luiz Fernando Cirne
Lima, superintendente da empresa. A lógica da Copesul é mais ou menos a mesma
da empregada por laboratórios como o Abbott e o Merck. Suas campanhas de saúde
e de distribuição de medicamentos ajudam a amenizar a sensação de que
laboratórios só podem ser bem-sucedidos se as doenças existirem. Nos Estados
Unidos, as corporações têm incentivado programas de voluntariado entre seus
funcionários a fim de tentar desfazer o sentimento de descrença no mundo dos
negócios provocado pelas ondas de downsizing, fusões e aquisições e
fechamento de fábricas ocorridas nos últimos anos. Quanto
isso vale? Ganhos
desse tipo são difíceis de mensurar. Mas experimente fazer o contrário. Uma
empresa socialmente incorreta pode passar do céu ao inferno em questão de
dias. Talvez o caso mais evidente disso seja aquele protagonizado pela Nike,
alvo da idolatria dos adolescentes americanos na década de 90. No ano passado,
as denúncias de exploração do trabalho infantil em fábricas da Ásia
recrudesceram. Phil Knight, presidente da Nike, foi chamado de explorador de
criancinhas por ativistas dos direitos humanos. A Candie's, uma pequena
fabricante de sapatos femininos, colocou anúncios em emissoras como a MTV
alterando o slogan da Nike de "Just Do It" (Faça) para "Just
Screw It" (Ferre). Uma
pesquisa recente dos institutos americanos Cone Communications e Roper Group
mostrou que 86% dos consumidores preferem marcas e produtos envolvidos com algum
tipo de ação social -- desde que eles tenham preço e qualidade
competitivos.Esta consciência aumenta a cada dia. Em
1993, eles eram apenas 66%. Em Wall Street, um índice de cotações acompanha
as ações de 400 empresas consideradas socialmente corretas ou que exercem sua
cidadania empresarial de forma efetiva. Atualmente, alguns fundos de pensão proíbem
seus administradores de investir em empresas que não tenham um projeto de
filantropia. Isso é uma questão de fazer o bem. E também é uma questão de
negócio. "Todo mundo quer parecer bom", diz Dori Ives, da Business
& Community Services. "É por isso que a todo momento um cartão de crédito
é usado para ajudar a combater, por exemplo, a fome no mundo." Você agora
pode estar pensando: ora, os consumidores americanos são muito diferentes dos
brasileiros. "Num mundo globalizado, seus clientes podem estar aqui ou em
qualquer lugar", diz o empresário Sérgio Mindlin, presidente do conselho
de administração da Fundação Abrinq, que reúne empresas engajadas na
erradicação do trabalho infantil. "Não espere que um consumidor alemão
ou americano vá comprar qualquer coisa cuja produção tenha utilizado trabalho
infantil ou contribua para a extinção de florestas. Fazer o bem transformou-se
numa vantagem competitiva." Essa
é a parte mais visível do que o bem pode fazer às corporações. Pelo menos
em uma coisa o trabalho em orfanatos, asilos, escolas e empresas se parece: em
todas elas não se vai muito longe sem que as pessoas realmente estejam
motivadas a atingir um objetivo, a cumprir uma missão. Com a palavra, Peter
Drucker, o guru dos gurus da administração moderna: "Na área mais vital
de uma empresa -- motivação e produtividade do pessoal que trabalha com
conhecimentos --, as organizações sem fins lucrativos são verdadeiras
pioneiras, elaborando as políticas e práticas que as empresas terão de
aprender amanhã". Drucker
é um defensor ferrenho da integração empresa-entidades filantrópicas. Por
uma simples razão: as duas partes teriam muito a ganhar. De um lado, as corporações
transmitem conceitos como avaliação de resultados, estabelecimento de metas,
foco, parcerias estratégicas. De outro, creches, orfanatos e asilos podem dar
uma aula de como fazer mais com menos, motivação, foco e trabalho em grupo. Em
abril, a revista americana Forbes publicou uma matéria mostrando como o Exército
da Salvação, uma das maiores entidades filantrópicas do mundo, dá lições
de gestão, marketing e entusiasmo pelo trabalho. "Nossos
funcionários descem corredeiras em barcos e vão para o meio de florestas em
programas de motivação. Mas pouca coisa motiva tanto quanto trabalhar
aqui." O francês Jean-Marie Monteil, presidente da AGF Brasil Seguros, diz
isso em meio a uma pequena horta. De lá saem legumes e verduras que vão ajudar
a abastecer a cozinha da creche da favela Engenheiro Goulart, na Zona Leste de São
Paulo. Há cinco anos, a creche para 200 crianças e uma escola de alfabetização
para adultos são mantidas pela AGF e pela associação dos funcionários da
empresa. O investimento é de pouco mais de 10 500 dólares por mês. Mas isso não
é o mais importante. Nos
finais de semana, funcionários e executivos se reúnem para pintar paredes,
arrumar jardins e verificar os resultados do projeto. "Exercitamos o
trabalho multidisciplinar. Um diretor pode atuar lado a lado com um
office-boy", diz Monteil. "Isso é importante para a melhoria da nossa
integração na empresa." O que faz com que funcionários se tornem mais
motivados pelo simples fato de ajudar alguém? "As pessoas querem uma
identidade corporativa, uma causa comum que vá além de vender parafusos",
diz Wagner Gattaz, chefe do departamento de psiquiatria da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo. "O ser humano se sente seguro quando pode
ajudar outras pessoas." MBA
- É em torno dessas causas comuns que costumam surgir os líderes, ativos cada
vez mais procurados pelas corporações. Observe um grupo de voluntários
consertando um telhado de um orfanato ou organizando a distribuição de
alimentos a uma população carente. Trata-se de um ambiente em que o
relacionamento, a motivação e a busca de parcerias são vitais. (Quantas vezes
você já ouviu falar desses conceitos em sua empresa?) O irlandês Charles
Handy, definido pela revista Fortune como um filósofo do mundo dos negócios e
da administração, defende que o Terceiro Setor (como é chamada a área de
assistência sem fins lucrativos) se transformará no futuro num celeiro de
lideranças para as empresas. "Enquanto uma empresa não abraçar uma causa
maior e mais abrangente do que o enriquecimento dos acionistas, terá poucos líderes
de peso", diz Handy. "O Terceiro Setor poderá ser o local de
treinamento empresarial e talvez político." Pregação
vazia? Há
cinco anos, a Harvard Business School criou cursos de MBA voltados para
empreendimentos sociais. O objetivo é formar espécies de missionários dos negócios.
Nos Estados Unidos e no Brasil, os consultores da Coopers & Lybrand são
avaliados por sua capacidade de gerar novos negócios, relacionamento interno...
e participação em projetos comunitários. "Ao ajudar a comunidade, nossos
consultores precisam colocar em prática uma de suas mais valiosas
habilidades", diz Olga Copco, sócia da subsidiária brasileira da Coopers
& Lybrand e responsável pela área de consultoria. "Eles se tornam
verdadeiros educadores. É desse tipo de profissional que precisamos." Dos 800
funcionários da C&A que participam das atividades do instituto, vários já
foram promovidos a cargos de gerência por demonstrarem aptidão para liderança.
Em abril deste ano, a Hewitt, uma das maiores consultorias mundiais em recursos
humanos, fez uma pesquisa com 336 empresas americanas. Resultado: 12% delas
mantinham programas especiais de participação de funcionários em programas de
voluntariado. A Xerox, por exemplo, permite que até 12 de seus funcionários
passem um ano fora da empresa dedicando-se à filantropia. Seus salários são
pagos integralmente durante esse período. A Wells Fargo, uma das maiores
companhias financeiras americanas, tem um programa semelhante. "Aprendi o
que era atendimento ao consumidor num asilo de velhos", diz Luís Norberto
Pascoal, presidente e acionista da DPaschoal, maior rede de revendas de pneus do
país. Aos 9 anos, Pascoal recebeu de seus pais a missão de distribuir fumo de
corda aos velhos de uma entidade localizada em Campinas, no interior de São
Paulo. "Achei que se comprasse o fumo picado agradaria a todos. Foi um
desastre", diz ele. "Cortar o fumo era um passatempo para os velhos.
Aprendi que não se pode dar ao cliente aquilo que ele não quer." ORGULHO
- Mas é provável que a mais poderosa razão para que as empresas façam o bem
seja outra, além das benesses do mercado, do treinamento e da possibilidade de
descobrir líderes: orgulho. "Em algumas companhias os funcionários se
sentem especiais pelo simples fato de estarem ligados a uma empresa que tem boa
fama pela qualidade do que faz ou pela contribuição que dá à
sociedade", diz o americano Robert Levering, presidente do Great Place to
Work Institute, consultoria especializada em qualidade do ambiente de trabalho,
com sede em São Francisco. "É importante sentir orgulho do seu
trabalho." Veja
o caso de Alex Zornig, vice-presidente da filial brasileira do BankBoston. Seu
escritório fica localizado na Rua Líbero Badaró, no Centro Velho de São
Paulo, uma das áreas mais deterioradas da cidade. Zornig perdeu a conta de
quantas vezes foi assaltado por meninos de rua da região. Mas nos últimos
tempos tem ajudado a mudar esse quadro. "Quer saber nossa maior
recompensa?", pergunta ele. "É saber que hoje nossos funcionários não
precisam ter vergonha de dizer que trabalham nesse lugar." Estima-se que há
1 200 meninos de rua perambulando pela região, cheirando cola e cometendo
pequenos (e grandes) delitos. Há pouco mais de dois anos, o BankBoston e o
Sindicato dos Bancários de São Paulo decidiram criar o projeto Travessia.
Objetivo: fazer com que as crianças voltassem a seus lares e dar a elas o
acesso à educação. Educadores profissionais e voluntários encaminham
projetos de alfabetização, suporte escolar, identificação familiar e cursos
de artes e música. Atualmente, quatro meninos trabalham nas praças da região
como aprendizes de jardineiro. Há também uma escola de circo instalada na Vila
Ré, Zona Leste da cidade. O
investimento anual chega a 1,5 milhão de dólares e conta com a participação
de empresas como o Bradesco, o Banco Fibra e a Fundação Abrinq. "A violência
no centro diminuiu", diz Zornig. "E nossos funcionários sentem um
orgulho enorme de participar de uma causa como essa." Não é justamente
isso que a maioria das empresas procura? Gente entusiasmada com a empresa e com
o trabalho que faz? Nos Estados Unidos, há guias voltados para jovens que
iniciam suas carreiras apontando empresas socialmente corretas. O The Jobs
Seeker Guide to Socially Responsible Companies aponta as 1 000 melhores empresas
segundo esse critério. Uma pesquisa realizada pela Kanitz & Associados com
1 200 jovens mostrou que 68% deles optariam por trabalhar em uma empresa que
tivesse um projeto social interessante. "Vim
para cá porque sabia que poderia trabalhar com negócio e, ao mesmo tempo,
participar de projetos filantrópicos", diz Ademar Bueno Júnior, um
administrador de empresas de 28 anos formado em 1997 pela Fundação Getúlio
Vargas, de São Paulo. No início deste ano, Bueno foi contratado pela
DPaschoal, de Campinas. Numa parte de seu tempo cuida dos negócios do grupo,
que fatura cerca de 540 milhões de dólares por ano. Noutra, dá assistência
estratégica e gerencial aos mais de 100 projetos voltados para a área de educação.
Todos os anos, a DPaschoal doa pelo menos 5% de seus lucros a projetos e
entidades filantrópicas da região de Campinas. São
projetos como o ISA - Instituto de Solidariedade para Programas de Alimentação.
Todos os dias, o ISA recolhe alimentos que não foram vendidos pelos
comerciantes do Ceasa de Campinas. O alimento é selecionado, lavado e
encaixotado por presidiários em regime semi-aberto e drogados em processo de
reabilitação. Depois são entregues a 1 600 famílias carentes cadastradas. Só
recebe quem comprovar que tem seus filhos matriculados na escola. "Não
queremos fazer caridade. Queremos ajudar a construir cidadãos", diz o
empresário Pascoal. "A longo prazo, empresas que pensarem dessa forma vão
garantir o respeito de seus funcionários e serão mais bem-sucedidas." Recentemente,
a Natura, maior fabricante nacional de cosméticos, fez uma pesquisa de clima
entre seus 3 000 funcionários. Uma das perguntas era: sua empresa está
integrada às comunidades onde atua? Mais de 80% dos funcionários disseram que
sim. É um índice alto quando comparado com a média do mercado -- 65%.
"Acreditamos que as empresas que duram são aquelas capazes de agregar
valor à sociedade", diz Guilherme Peirão Leal, presidente executivo da
Natura. "Isso ajuda na construção a longo prazo de uma marca." No início
da década, a Natura decidiu pela filantropia estratégica. Seus esforços
estariam voltados para a educação de crianças e adultos. Os executivos da
empresa não queriam apenas doar recursos a entidades. Queriam participar da
evolução e da avaliação dos projetos. Para isso, era necessário ter foco. Nos
anos 70, as empresas americanas viveram dias de decepção com a falta de
resultados que doações feitas a esmo traziam para todos os envolvidos. Um
hospital precisava de um raio X? O telhado de um asilo estava caindo? A escola
precisava de um computador? A solução era assinar o cheque e desaparecer até
o próximo pedido. Hoje, cada ação é conduzida como um projeto de negócios
em que a finalidade não é o lucro financeiro, mas o bem-estar da comunidade e
o ganho de imagem para a empresa. As corporações passaram a se envolver na
gestão e na cobrança de resultados. Todos os meses, os diretores da Fundação
Credicard, de São Paulo, recebem centenas de pedidos de ajuda que vão de
vestidos de noiva a carros. "Nosso foco são crianças e
adolescentes", diz Marina Foster, vice-presidente da Credicard e presidente
do instituto. "Não podemos tentar abraçar todas as causas." Uma vez
a cada mês, um comitê de nove diretores da empresa se reúne para avaliar a
viabilidade e os resultados de cada projeto. Ter uma direção não é a única
coisa importante ao fazer um investimento social. É preciso haver sinergia, é
necessário potencializar os recursos humanos disponíveis na corporação.
"As empresas precisam definir que tipos de competências, interesses e
desejos dos funcionários podem ser canalizados e usados eficientemente",
diz o consultor Kanitz. A
Avon elegeu a mulher como seu alvo em todo o mundo. No Brasil, suas 500 000
revendedoras são treinadas para dar dicas de saúde às suas clientes. Na
Alemanha distribuem informações sobre a educação das crianças. Na
Inglaterra, ajudam mulheres que deixaram de trabalhar para ter filhos a voltar
para o mercado de trabalho. Na Austrália, se dedicam à reabilitação de
pacientes com câncer. "Esse relacionamento é o que sabemos fazer
melhor", diz Rosa Alegria, diretora de comunicação da subsidiária
brasileira da Avon. "Decidimos colocar nossos melhores recursos à disposição
dessa comunidade." A rede gaúcha Gasoline fatura 20 milhões de dólares
ao ano vendendo roupas para garotas adolescentes. E esse é justamente o alvo de
sua ação filantrópica. No ano passado, a rede criou o programa Meninas do
Brasil. Hoje, oito garotas de rua, com idades entre 14 e 17 anos, trabalham como
vendedoras nas lojas da rede. Recebem também apoio psicológico, bolsas de
estudo e treinamento em informática. "Ter
preço internacional e loja com padrão internacional muitos podem", diz o
empresário Domingos Müller, dono da Gasoline. "Ser diferente hoje é
atender aos desejos conscientes e inconscientes do consumidor. O desejo de um
mundo melhor, por exemplo." A IBM americana tem uma verba de 35 milhões de
dólares para investir em escolas públicas. São recursos financeiros,
computadores e consultoria. Há vontade de ajudar e há também um interesse
puramente empresarial aí. Escolas melhores vão preparar os bons profissionais
do futuro. E é bem possível que crianças expostas à marca IBM prefiram
adquirir computadores da marca quando se tornarem consumidores. Há algum tipo
de sacrilégio nisso? "Não, desde que essas ações não sejam encaradas
como uma espécie de marketing barato", diz Martinelli, do Instituto
C&A. "Se isso ocorrer, o consumidor logo perceberá uma certa falta de
ética na atitude. E ninguém sairá ganhando."
FORNECEDOR
- Uma das regras da filantropia corporativa é jamais vincular uma ação social
ao departamento de marketing da empresa. Por quê? Até por questões culturais,
o bem-feito com segundas intenções deixa de ser encarado como bem. Qualquer
possível ganho de imagem perde-se aí. "Deixe que um comitê de funcionários
distantes da área de marketing tome as decisões dessa área", diz Dori
Ives, da Business & Community Services. Projetos de sucesso são quase
sempre de longo prazo. Há 10 anos, a subsidiária brasileira da Xerox investe
600 000 dólares anuais numa vila olímpica instalada ao lado da favela da
Mangueira, no Rio de Janeiro. Lá, cerca de 1 200 crianças e adolescentes freqüentam
aulas de atletismo, natação, vôlei, basquete, ginástica. Todos eles têm de
estar matriculados na escola para participar. Quem cuida do projeto? Um
departamento de relações com a comunidade, que tem como uma de suas tarefas
medir os resultados do projeto. Antes da vila olímpica, as escolas da região
tinham uma ocupação de apenas 40% das vagas. Hoje, esse índice está em quase
100%. Talvez os clientes da Xerox jamais soubessem disso não fosse o fato de o
presidente americano Bill Clinton ter servido de garoto-propaganda do projeto.
Em sua visita ao Brasil, no ano passado, Clinton chegou a jogar uma pelada com
os garotos da Mangueira. A Xerox calcula que 32 milhões de pessoas tenham lido
as matérias veiculadas em jornais e revistas da época. O projeto também
ganhou 132 minutos de veiculação gratuita nas emissoras de TV. A
filantropia corporativa desse final de século nada tem a ver com aquelas
campanhas de distribuição de sopa ou de agasalhos. O objetivo é fazer
acontecer. Isso pode ser conseguido melhorando escolas, dando noções de
cidadania aos moradores de favelas, reintegrando ex-drogados à sociedade. Ou
ajudando a desenvolver novos negócios. Nos Estados Unidos, empresas como a Ben
& Jerry's Homemade, uma das maiores cadeias de sorveteria do país, ajudam
minorias sociais a se transformarem em fornecedores com qualidade e preços
competitivos. Há cerca de dois anos, a Natura fez o mesmo com a comunidade da
favela Monte Azul, localizada na Zona Sul de São Paulo. A empresa responsável
pelo fornecimento de refeição para o restaurante da Natura deu consultoria
para qualificação da padaria da favela. Hoje, todo os consumo de pãezinhos da
empresa é fornecido pela Monte Azul. Nos
últimos meses, a Natura também vem ajudando na formação de uma cooperativa
de costureiras em Horizonte Azul, bairro da periferia paulista. Parte da produção
deve ser adquirida no futuro. Um departamento de ação social foi criado para
fazer o acompanhamento dos projetos. Além da formação de fornecedores, a
Natura financia projetos de melhoria pedagógica numa escola estadual próxima
à sua fábrica, em Itapecerica da Serra, interior paulista. Desde o final de
1995, quando o projeto teve início, os índices de repetência caíram de 11%
para 7% e a evasão passou de 11% para 8%. "O resultado que temos aqui é a
melhoria do ensino", diz Laudisséia Ferreira dos Santos Souza,
coordenadora pedagógica da escola estadual Matilde Maria Cremm. "Muitos
pais e professores gostariam que a Natura pagasse a pintura das paredes ou o
conserto do encanamento. Mas isso seriam paliativos, não a solução." Iniciativas
como essa são uma espécie de modelo do bem corporativo. As empresas podem
fazer filantropia também porque sentem uma certa responsabilidade social. Mas há
uma razão ainda mais forte: o bem vem se transformando num componente vital
para o sucesso dos negócios. Pode ser uma extraordinária vantagem competitiva.
Um elemento que atraia o mercado, gratifique seus funcionários, reforce a boa
imagem da empresa. Faça a diferença. Ninguém perde com isso. Todos ganham. *
Colaboraram: Jacqueline Breitinger, Suzana Naiditch e Gladinston Silvestrini
Revista Exame /Abril/98
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